Dicas para pegar carona pelas Rutas 40 e 3 da patagônia argentina

Uma boa forma de economizar na patagônia é viajar de carona, ou ‘hacer dedo’, usando o termo em espanhol. Se você tem receio, saiba que o sul do continente é uma das zonas mais seguras do mundo para se deslocar dessa forma. Por muitos anos, as cidades estavam isoladas e não eram assistidas por transporte público. A carona foi  o principal meio de locomoção e o costume de levantar o dedão na beira da estrada continua bem vivo entre os locais.

E se você acha que essa é uma opção apenas para quem tem tempo, se engana. Alguns trechos, como El Calafate e El Chaltén, fiz o trajeto mais rápido pedindo carona do que se tivesse ido de ônibus (tive sorte, claro). Outro exemplo é a Laguna Esmeralda, em Ushuaia, que fica próxima ao centro da cidade e é normal que as pessoas busquem visitá-la esticando o dedão.

Sem contar que a troca de experiência que se troca com os moradores locais (turistas dificilmente param) é algo que não se encontra em nenhuma agência.

Vamos aos fatos: durante três meses, fiz mais de 8 mil quilômetros levantando o dedão. Somente com ônibus, teria gasto, por cima, R$ 1500. Confira o que tiramos dessa experiência.

 



1. É seguro viajar de carona pela patagônia

Existem postos da polícia na entrada e saída da maioria das cidades e barreiras são comuns. Inclusive, os melhores locais para esticar o dedão são depois (nunca antes) de bloqueios e postos da polícia. Dão a sensação de segurança para os motoristas, que são obrigados a passar por você mais devagar.

É comum que os policiais peçam sua identificação. Nunca ouvi falar de nenhum caso de extorsão na patagônia. O procedimento é corriqueiro com todo mundo que transita pela área. Fica praticamente impossível trafegar pelo sul da 40 e da 3 sem ser identificado em algum posto da polícia. Tenha um pouco mais de cuidado nas cidades grandes, como Comodoro Rivadavia e Trelew.

Uma boa dica é baixar o maps.me. O GPS funciona offline, a única coisa que você precisa fazer é baixar o mapa do local para onde vai. Aí, é só acompanhar se o motorista está fazendo o caminho correto. Conhecer o trajeto e o nome das cidades pelas quais vai passar também é interessante.

2. Conheça as rotas

Pela Argentina, são duas rotas que cruzam o país em direção ao sul. A mais famosa é a Ruta 40, que costeia a Cordilheira dos Andes e a fronteira com o Chile. A Ruta 3 é a mais utilizada durante o ano todo, passando próxima ao Oceano Atlântica e às maiores cidades da patagônia, cuja principal atividade econômica é a extração do petróleo.

Em vermelho: Ruta 40
Em Azul: Ruta 3

Rota 40

É a estrada mais longa do país, com 5194km. Inicia em La Quiaca, na divisa com a Bolívia. Pelo norte, passa próxima a Salta, Jujuy, Pumamarca e Mendoza. Segue por Bariloche, Bolson, Esquel, Chaltén, Calafate e termina em Rio Gallegos. Algumas partes da estrada são muito bonitas, sendo muito utilizada por turistas no verão. Entre dezembro e fevereiro, são muitos viageiros pedindo carona por toda sua extensão.

No restante do ano, tem um bom fluxo de carros na região dos Lagos, de San Martin de los Andes até Esquel (pouco mais de 500km). Muitos caminhoneiros chilenos utilizam a estrada para ir até Coyhaique (pelo Chile, seria preciso tomar balsas, opção para o inverno, quando a rota pode ser fechada) e seguem pela 40 até Rio Mayo.

A cidade de Rio Mayo

Em março, abril, outubro e novembro, é mais complicado se deslocar pelo restante ruta, mas não impossível. Em meados de março, contei 30 veículos entre às 8 e 13h de uma quinta-feira, em Rio Mayo, quando um carro parou. O maior problema é um trecho próximo a Três Lagos. A estrada por lá é péssima e muitas vezes é, literalmente, destruída pelo transbordo de uma laguna ou passagem de uma tempestade, ficando fechada por alguns dias.

Rota 3

Caminhões argentinos praticamente não utilizam a 40. A maioria vai pela Ruta 3, que inicia em Buenos Aires e costeia o oceano Atlântico, onde estão as maiores cidades da patagônia argentina. Seja no verão ou em outras épocas do ano, essa é a estrada mais rápida de se viajar de carona. Eu diria para evitar passar a noite em Comodoro Rivadavia, a maior cidade da área.

3. Faça cartazes com o seu destino ou o famoso cevo mate

Em estradas que passam muitos carros, uma boa técnica é utilizar cartazes. Consiga uma caixa de papelão em um mercado e escreva, bem grande, o seu destino. Se for criativo, melhor. Caso for necessário andar mais de 400km, meu conselho é que anote o nome da cidade grande mais próxima, para melhor localizar os motoristas.

Principalmente na Ruta 3, onde passam muitos caminhões, uma boa dica é escrever ‘cevo mate’ no cartaz. Se você viajar com cuia, erva, bomba (os apetrechos para o mate) e térmica, deixe tudo à vista, perto de você.

O mate é uma das grandes paixões dos argentinos, e se você puder dividir ou até mesmo cevar (no caso, preparar) o mate para o motorista, ele irá adorar. E mate é diferente de chimarrão. Se você quer saber como preparar, veja esse vídeo no YouTube.

4. Tenha paciência

A cara da foto ali em cima entrega, não? Sim, tenha paciência. Às vezes, será necessário esperar algumas horas. E o pior que os melhores lugares não costumam ser na sombra! Se você estiver a muitas horas parado no mesmo lugar, muitos carros estiverem passando e e ninguém parando, caminhe e busque outro local.

5. Peça carona no lugar certo

Ao se posicionar para pedir carona, leva em consideração alguns aspectos: há espaço para um ônibus ou caminhão parar? Você vai ser visto de longe? Os carros passam muito rápido por ali?

Principalmente em rodovias, é importante levantar o dedão no local certo. Escolha um ponto da via em que os carros andem mais devagar, como em aclives ou próximo à saída de cidades. Evite pontos próximos a curvas, pois são perigosos e poucos motoristas vão arriscar parar.

Depois, é preciso ter espaço para o carro encostar. Se não houver acostamento na estrada, sua missão vai ficar bem difícil. Lembre-se que o carro vai vir rápido e parar alguns metros depois de você, por isso é bom que o acostamento seja largo.

Outra dica importante é não parar após curvas, pois o motorista não terá tempo de vê-lo.

5. Afaste-se de aglomerações

No verão, a saída de cidades como Ushuaia, Calafate e Bariloche estarão apinhadas de gente pedindo carona. Em geral, há uma cordialidade entre os viageiros. Se já houver alguém de levantando o dedo, você deve se posicionar atrás dele, e assim sucessivamente, formando uma fila conforme a chegada. Se você não estiver entre os primeiros, é bom ter bastante paciência.

Minha dica é que você não fique parado e saia caminhando. Quando um carro passar, vire-se, fique parado e faça o gesto. Algumas pessoas dizem que o melhor é ficar parado no lugar. Em situações em que há muita gente pedindo carona, o melhor é se afastar o máximo possível. Um caminhoneiro, uma vez, me confirmou que fica confuso quando vê muitos viageiros e não costuma parar nessas situações.

Parada em Cerro Sombrero, na Tierra del Fuego

6. Esteja preparado

Uma das peculiaridades da patagônia é que as cidades estão longes uma das outras. Em média, mais de 100km separam as aglomerações urbanas uma das outras. Se você pretende fazer longos trajetos, esteja preparado. Tenha uma barraca, saco de dormir para frio, água e comida.

Principalmente se for necessário sair da ruta. Algumas cidades, como El Calafate, El Chalten e Puerto Deseado ficam longe das Rutas 40 e 3. Então, você terá que descer em um trevo e as possibilidades de passar a noite na estrada são reais.

É bem comum ser levado por caminhonetas abertas. Se você tiver uma lona ou uma capa de chuva, pode ser um bom acessório para momentos em que esteja chovendo.

7. Evite o inverno

Faz frio, neva, muito vento, é perigoso, então não viaje pela patagônia de carona no inverno. E se você fizer uma viagem de longa distância, confira a situação do tempo no Meteored. Não brinque caso estiver vindo uma frente fria ou uma tempestade e faça o trajeto de ônibus.

8. É possível acampar nos postos da YPF

posto ypf

Minha barraca conheceu diversos estacionamentos de postos da YPF no meu mochilão pela patagônia. Muitas vezes era deixado em alguma ‘estacion de servicio’ (como eles chamam os postos de gasolina na Argentina), já noite. Estava cansado para entrar na cidade e buscar algum lugar barato para dormir. Sem contar que se economiza uma diária.

O principal desafio era prender as estacas no chão. A terra era tão batida pelos caminhões que parecia pedra! Amarra aqui, prende ali, no final dava tudo certo.

Sempre pedia permissão para alguém do posto e nunca tive problema. Uma vez até o wii fii me passaram. Pela manhã, já aproveitava e conversava com um ou outro caminhoneiro e via se não ia para o meu destino.

9. Mantenha a higiene, a simpatia e converse

Mostrar uma boa aparência ajuda, assim como estar sempre com um sorriso no rosto. Quando você perceber que o motorista não vai parar, acene para ele. Por duas vezes, condutores pararam após esse gesto.

Sei que é difícil manter as melhores condições de higiene após quatro dias na estrada pedindo carona. Porém, tome esse tempo. Muitos postos de gasolina oferecem banheiro com ducha. E nunca questione muito, se o assunto está indo para um caminho que não gosta, tente introduzir outro assunto.

De carona na Isla Tierra del Fuego

Os dois pontos vemelhos são onde há casinhas para dormir (além de Cerro Sombrero).

Para entrar na isla Tierra del Fuego, é preciso ingressar em território chileno pelo Passo Austral. Entre novembro e março, ele costuma funcionar 24 horas. Depois, seguir para Punta Arenas e tomar um desvio em Punta Delgada, onde funciona o ferry. No desvio, há uma pequena casa onde se pode dormir. Já o ferry só cobra para atravessar veículos com motor.

Os caminhões e carros vão fazer uma fila enquanto esperam a balsa chegar. O melhor é que você vá conversando com eles e encontre alguém que possa lhe levar, pelo menos, até Rio Grande. Se já houver viageiros procurando carona, atravesse e caminhe. Uns 6km mais a frente, há uma estrada que leva a Porvenir, onde há outra balsa que atravessa a Punta Arenas. Alguns locais transitam por esse trecho e costumam parar. Porém, se for muito tarde, prefira passar a noite em Punta Delgada.

Depois, siga pela ruta chilena 257. O caminho que passa ao lado de Cerro Sombrero é o mais transitado por caminhões e veículos de passeio. Há uma outra estrada quase chegando em Cerro Sombrero, porém ela é utilizada apenas pelos petroleiros da YPF, que não costumam levantar viajeiros.

De Cerro Sombrero até San Sebastian, onde você atravessa a fronteira de volta território argentino, não há nada. O único refúgio no caminho é uma pequena casa onde a Ruta 257 encontra a estrada que leva a San Sebastian.

Restrições: caminhões internacionais

Caminhões chilenos na Argentina ou argentinos no Chile precisam contratar um seguro internacional. Com isso, eles não podem circular fora do território do seu país com pessoas, dentro do caminhão, que não estejam seguradas. Os argentinos, desde 2017, vem endurecendo a fiscalização e, inclusive, multando os motoristas chilenos. Muitos motoristas lhe esperam (se gostarem de você) do outro lado do posto argentino, de forma que você deve cruzá-lo a pé.

Resumo

– A Ruta 3 costuma apresentar melhores condições o ano todo e está numa região que neva menos que a 40, próxima à Cordilheira dos Andes. Mesmo assim, o local não está livre das intreperies da natureza, como o desmoronamento de terra que ocorreu em Comodoro Rivadávia em 2017 e fechou a estrada por alguns dias. Circulam mais caminhões por ela.

– A Ruta 40 é mehlor para viajar de carona no verão. Os trechos Bariloche – Esquel e El Chalten – Calafate – Rio Gallegos também são tranquilos em determinada parte do ano e muitos caminhoneiros chilenos seguem até Rio Mayo.

Henrique Lammel

Jornalista e produtor de conteúdo

8 thoughts on “Dicas para pegar carona pelas Rutas 40 e 3 da patagônia argentina

  • novembro 4, 2019 em 10:27 am
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    Henrique,
    Valeu pelas dicas!!
    5 de janeiro to partindo de Buenos Aires para Ushuaia! vou pela 3.
    Depois começo a subir por puerto natales, El Chaltén e pela Carretera Austral no Chile!!

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  • dezembro 18, 2018 em 9:00 am
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    Você é parente do Aldo Lammel? Haha! Excelentes dicas! Estou indo pra lá em Janeiro e minha ideia é ir de carona pra Ushuaia a partir de Bahia Blanca.

    De acordo com sua experiência, se eu utilizar apenas uma placa de carona escrito “Ruta 3, SUR” , essa placa vai ser eficiente pra conseguir as caronas?

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    • dezembro 18, 2018 em 3:32 pm
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      Se é Lammel, algum grau de parentesco deve ter, ehehehe…

      Maninho, quer pegar carona na Argentina? Escreve na plaquinha “Cevo Mate”!

      Outra coisa, eu não consegui ir direto pela 3 até Bahia Blanca quando estava viajando de carona – vinha subindo pelo Sul, desde Rio Gallegos por ela e minha ideia original era seguir. Depois de San Antônio de Oeste, praticamente não passam carros pelas 3 – principalmente os caminhões, que tomam a 251 e a 2. Teve um Argentino que me garantiu que vale até mais a pena ir até Choele Choel pela 2 e depois tomar a 22 do que tentar a 3 nesse trecho.

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  • setembro 7, 2018 em 1:34 pm
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    Excelentes dicas, valeu!
    Henrique, estou programando uma viagem para Buenos Aires no reveillon e de lá quero ir pra Ushuaia de carona. Analisando a sua publicação, acredito que o ideal seria ir pela Ruta 3 e voltar pela Ruta 40, mas me fale uma coisa, em média quanto tempo levaria pra fazer esse trajeto? Embora seja relativo, acredito que em Janeiro tenha mais fluxo nessas rodovias. Obrigado desde já.

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    • outubro 9, 2018 em 11:45 am
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      E ai Francisco! Pela minha experiência, consegues fazer o trajeto em 5, 6 dias pela Ruta 40, e em 3 ou 4 dias pela Ruta 3! Mas isso tocando meio que direto, sem parar muito para conhecer as cidades no caminho, o que seria um pecado

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  • março 7, 2018 em 11:24 am
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    Henrique
    muito obrigado pelo relato.
    Esse é exatamente o estilo de viagem que costumo fazer.
    obrigado por compartilhar!

    boas aventuras

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